O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, trata-se da primeira regra de hermenêutica Vinculativa, para o enfrentamento das desigualdades estruturais e dos estereótipos de gênero nos processos judiciais.1
O QUE É O PROTOCOLO DE JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO:
O Grupo de Trabalho instituído pela Portaria nº 27/2021 do CNJ, que fundamentou a Recomendação nº 128/2022 e instituiu o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, representa um marco epistemológico no Judiciário brasileiro, ao reconhecer, de modo oficial, a neutralidade judicial como um construto ideológico e afirmar a necessidade de decisões que incorporem uma análise crítica das estruturas de poder nas relações familiares.
A Resolução n. 492/2023 do CNJ, determinou a obrigatoriedade dos magistrados(as) em receberem capacitação para garantir a aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero nos tribunais, com o propósito de garantir o efetivo acesso à justiça para mulheres e meninas, com intuito de reduzir as vulnerabilidades e violências oriundas dos estereótipos de gênero.
O artigo 5º da Constituição Federal, ao consagrar o princípio da igualdade, não se limita à igualdade formal perante a lei, mas impõe ao Estado o dever de promover a igualdade material. O Grupo de Trabalho observou a indispensabilidade da criação do Protocolo de Gênero, em especial relevância, no contexto das relações familiares, que é onde as desigualdades estruturais de gênero manifestam-se de forma mais acentuada.
O Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, neste contexto, constitui explicito dever constitucional e direito fundamental preexistente, consoante assegurado pelo art. 226, §8º, da CF, no que tange a proteção da mulher vítima de violência de gênero no âmbito doméstico e familiar.
As mulheres, historicamente subjugadas por estruturas patriarcais, encontram no reconhecimento de suas especificidades e vulnerabilidades um instrumento essencial para a efetivação de sua dignidade, em atenção aos Princípios Fundamentais do art. 3º, inciso IV, e art. 1º, inciso III, ambos da CF.
O Protocolo, ao determinar a consideração das “diferenças e vulnerabilidades específicas decorrentes de questões de gênero”, materializa o princípio constitucional da dignidade humana, reconhecendo que a igualdade substantiva exige tratamento diferenciado para sujeitos em situações desiguais.
A ECONÔMIA DO CUIDADO E SUA OBSERVÂNCIA NA ANÁLISE DO CASO CONCRETO:
A Recomendação nº 128/2022 do CNJ, ao instituir o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, representa um avanço importante ao propor que o tempo e o esforço dedicados pelas mães à economia do cuidado sejam reconhecidos juridicamente. O reconhecimento do “capital invisível” é essencial para equilibrar as obrigações parentais e evitar a perpetuação das desigualdades.
Do ponto de vista econômico, o trabalho de cuidado possui valor mensurável e deve ser reconhecido como tal pelo sistema jurídico. Os estudos do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) unidade da FGV, demonstram que o trabalho doméstico não remunerado corresponde a aproximadamente 13% do Produto Interno Bruto brasileiro (PIB), sendo realizado predominantemente por mulheres, cerca de 65%, considerando que há variações regionais, com diferentes níveis de discriminação.2
A equidade de gênero deve ser um princípio estruturante no campo do direito das famílias, especialmente diante das persistentes desigualdades derivadas do patriarcado estrutural que atravessa a sociedade brasileira. Isso demanda do Judiciário um tratamento isonômico, mas sensível às assimetrias históricas entre homens e mulheres no exercício das funções parentais.
Embora a Constituição Federal, em seu art. 226, §7º, preveja o dever compartilhado de criação e educação dos filhos, a realidade revela que tais encargos seguem recaindo de forma desproporcional sobre as mulheres. A aplicação efetiva da Recomendação exige, portanto, uma abordagem crítica por parte do Judiciário, comprometida com a equidade de gênero.
Identifica-se na rotina forense, que a implementação do Protocolo de Gênero enfrenta resistências significativas, especialmente de operadores do direito formados em uma tradição jurídica que naturaliza as desigualdades de gênero. Tais resistências manifestam-se tanto de forma explícita, através da recusa em considerar a legitimidade do Protocolo, quanto de forma implícita, por meio da aplicação meramente formal do Protocolo, sem a necessária mudança paradigmática.